domingo, 25 de janeiro de 2009

"ONDE ESTÁ O REI DOS JUDEUS RECÉM-NASCIDO?"

ICJ/ES – INSTITUTO CAPIXABA DE JUVENTUDE / ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

NOSSA ESPIRITUALIDADE BÍBLICO-LITÚRGICA
EPIFANIA DO SENHOR – 04.01.2009


“ONDE ESTÁ O REI DOS JUDEUS RECÉM-NASCIDO?”

“Nasceu um menino mais pobrezinho que o de Belém...Não vieram os reis magos, nem veio ninguém...A estrela, quem dera, guiasse o caminho daquele menino como o de Belém!” Reginaldo Veloso (Cd Vida, o Sonho de Deus – Paulus, 2000).

Para início de conversa

A Bíblia nasceu do chão da vida do Povo de Deus, povo este que experimentou Deus em sua história: vida de lutas, vitórias e derrotas. Essas experiências foram contadas, recontadas, cantadas e rezadas. O Evangelho de Mateus (Ano B) nasceu no cotidiano das comunidades espalhadas pelo norte da Galiléia e Síria (talvez, Antioquia) durante a década de 80-90 da Era Comum (E.C.). O autor deste Evangelho deve ter sido um judeu helenista, que cita o Primeiro Testamento (PT), os LXX, e ou fruto de um grande mutirão de autores e autoras; não é possível saber quem foi o redator final dessas experiências, mas o que se pode ser notado é que se trata o Evangelho de comunidades constituídas basicamente de judeus cristãos. Brotou da experiência que os primeiros cristãos fizeram de Jesus vivo, morto e ressuscitado, compreendido à luz do Primeiro Testamento, frente a seus conflitos, medos e esperanças. A base do Evangelho é a missão de Jesus: semear o Reino de Deus entre os seres humanos. As comunidades do norte da Galiléia e Síria eram constituídas de pessoas pobres e exploradas, com a presença marcante de judeus, pois há em todo o Evangelho a importância de mostrar a Lei e em citar o Primeiro Testamento; judeus com mentalidade helenista, isto é, judeus que não estavam presos à Lei e ao Templo, que havia sido destruído por Tito no ano 70 E.C..O Evangelho se preocupa com os estrangeiros e a sua missão dentro e fora da comunidade.

Contextualizando a vida com o Evangelho do Dia do Senhor – Mt 2,1-12

A Festa da Epifania é a retomada do Natal de Jesus celebrando a sua humanidade manifestada a todos os povos, e não apenas ao povo judeu. É o Verbo de Deus presente em todas as pessoas, pastorais, movimentos e grupos que lutam para vencer o racismo e todo tipo de discriminação. É a manifestação de Deus a todos os povos espalhados pelo planeta.
O episódio de hoje está centrado no tema da realeza. De um lado, Herodes, chamado o Grande (37 – 4 a.E.C.), rei da Judéia, um rei estrangeiro, idumeu, amigo nomeado e protegido pelo Senado romano, visto como ilegítimo por parte da população, está cercado dos chefes religiosos de Jerusalém. Herodes e a cidade inteira se agitam com o anúncio de um novo rei. Do outro lado está um recém-nascido, cujas raízes se fincam no poder popular, é o herdeiro do pastoreio de Davi (que começou sua campanha político-militar junto aos descontentes com o reinado de Saul), potencialmente o sucessor legítimo. A salvação não vem de Jerusalém, mas de Belém conforme os textos bíblicos: Mq 5,1 e 2Sm 5,2. Belém era uma aldeia a oito quilômetros ao sul de Jerusalém; dela sairá o pastor que apascentará e defenderá o povo (ovelhas) da ganância e da arrogância dos exploradores (lobos). Para Herodes, Jesus é um rival perigoso e deve ser eliminado.
Pode-se notar que já se desenrola todo o drama da vida de Jesus e de sua missão: os judeus o rejeitam e os pagãos o adoram.
Para indicar o nascimento do menino, o Evangelho fala de uma estrela. Os orientais costumavam dizer que uma estrela especial surgia quando nascia alguém muito importante, especial. Essa presença de Deus conosco – o Emanuel – é ameaça para uns e esperança para outros.
Os magos do oriente, ou astrólogos (astronomia e astrologia não estavam separadas), são conhecedores das tradições e das predições judaicas a respeito do Messias – mashiâh – ungido – acorrem a render homenagem ao presumido herdeiro, tratando-o com o título de “REI DOS JUDEUS”, o mesmo título dado por Pôncio Pilatos a Jesus na cruz. Os magos reconhecem o astro que seguem. Simbolizam as diversas nações, que buscam o Messias. Se dirigem a Jerusalém, centro político-econômico e religioso da Palestina, para pedirem informações, pois, querem homenageá-lo. Ao se colocarem frente à frente, com o testa de ferro de Roma, o império que oprime e marginaliza o povo; Herodes e toda sua corte entram em pânico com a inesperada homenagem ao rei recém-nascido. Os saduceus, fariseus e escribas são convocados para que verifiquem as Escrituras Sagradas e o pavor do rei ilegítimo aumenta. O nascimento deste menino é uma ameaça ao poder instituído e opressor. As comunidades do Evangelho vivem a experiência concreta da perseguição e da exclusão.
Render homenagem para os astrólogos orientais tem o sentido de reconhecer no outro sua dignidade superior; ao contrário de Herodes, em que a expressão é apenas uma ironia perversa, a fim de despistar os visitantes. Eles partem do palácio da morte e chegam à casa e encontram o menino e sua mãe. São guiados por uma estrela, que salienta as intuições mais puras e os anseios mais profundos de qualquer ser humano: paz, justiça, igualdade e fraternidade. Entram na casa (de José), não numa gruta usada como dormitório, não há no texto menção a presença de José. É comum na tradição bíblica, que a mãe do rei ou do herdeiro tenha um papel preponderante. Essa imagem, da mãe com o menino será favorita entre a iconografia cristã. Eles entendem que a salvação vem por meio do pequeno da periferia de Jerusalém. São os primeiros a perceberem isso. O único desejo: adorar este novo poder que nasce do pobre. A alegria que sentem é testemunha de uma longa tradição no Primeiro Testamento.
Os dons ofertados: ouro, incenso e mirra; o que havia de melhor em seus países de origem. Esses dons simbolizam a realeza (ouro), a divindade (incenso) e a paixão (mirra). Estes magos, são símbolos daqueles que aceitam o poder de Deus manifestado em um recém-nascido – Ieshua. O nome Jesus, como se sabe, é simplesmente uma forma latina do nome grego Iesous. Este por sua vez não é originariamente um nome grego, mas a forma grega de um nome hebraico Yehoshua (o Yoshua bíblico) que significa o nome impronunciável de Deus – YHWH. Daí a tradição dar o significado de “YHWH é Salvação ou Deus Salva”. O nome Ieshua é formado de duas partes. A primeira Ye, é a forma abreviada do nome próprio impronunciável hebraico de Deus – YHWH. A segunda, shua, é palavra hebraica que significa amplidão, abertura, salvação; significa então o contrário de estar num aperto, estar em dificuldade; significa estar livre num amplo espaço aberto. O nome Ieshua significa portanto, YHWH é salvação-saúde, a afirmação de que YHWH é a fonte de toda inteireza para os seres humanos, para todas as coisas. Os magos reconhecem tudo isto e se doam ao serviço do Salvador, prostram-se, em seguida põem à disposição do Salvador o melhor do que possuem.
Os presentes trazidos pelos magos expressam seu reconhecimento. Estão na frente do Messias prometido às nações, o pegaram no colo, sorriram, se emocionaram, fizeram orações, cantaram. Sabem que este rei menino será justo e misericordioso, que morrerá por sua prática em favor da vida e será ressuscitado por Deus, e será reconhecido como Filho de Deus.
Não voltam a se encontrar com Herodes, pois, sabem, sentem em seus corações, que o idumeu, em sua ambição e sede de poder procura ardilosamente exterminar a esperança do povo, do mesmo jeito que Saul pretendera fazer com Davi no Primeiro Testamento.
O caminho da salvação no Segundo Testamento (ST), não passa por Jerusalém e não tem nada a ver com Herodes ou com sua corte ou ainda com os dominadores da capital. Os magos voltam por outro caminho, aquele caminho que o discernimento lhes indicou. O sonho que tiveram é a inspiração de que todo poder que oprime impede o nascimento de tudo o que é bom para a vida em comunidade e em sociedade. Ao se desviarem de Herodes, os astrólogos orientais abriram uma nova janela e deixaram uma lição para todos nós: Sonhar um outro mundo novo é possível e é melhor.

A Festa da Epifania do Senhor é a revelação da bondade do Deus que deseja salvar a todos e por isso se faz ser humano. Faço memória de uma frase linda do querido Leonardo Boff, numa assessoria para a Pastoral da Juventude no final da década de 1980, ele dizia: “Deus era tão humano, se fez tão humano, e por ser humano, só poderia ser Deus mesmo...”. Passado tantos anos, começo a entender que o Ieshua de Nazaré, de Belém de Judá, da Nossa América, de Belém do Pará (onde ocorrerá a próxima edição do Fórum Social Mundial), deste Brasil, ainda católico, ainda sofrido, ainda marginalizado, ainda castigado pelo desinteresse político e pelos desmandos contra a vida, só é salvação se a comunidade se posicionar e se decidir a favor a esta salvação que é oferecida gratuitamente, que é oferecida sem pedir nada em troca. O Herodes de hoje em dia, ainda persegue e mata, ainda alimenta a sociedade com corrupção e violência, não consegue saciar sua sede e fome de poder e para se manter em seu trono, o Grande, usa toda a politicagem que está à sua disposição, sem se importar com a dignidade humana, chegando ao ponto de exterminar toda e qualquer forma de vida.
A Festa da Epifania é a chance que nós cristãos temos, para discernir o projeto de vida que pensamos para este novo ano que se inicia. É a chance que temos para abraçar a salvação que bate à porta. É a chance que temos para sermos seres humanos novos e possíveis...sonhadores e felizes.

Emerson Sbardelotti

Autor de O MISTÉRIO E O SOPRO – roteiros para acampamentos juvenis e reuniões de grupos de jovens. Brasília: CPP, 2005.
Autor de UTOPIA POÉTICA. São Leopoldo: CEBI, 2007.
Membro do Grupo de Assessores da Pastoral da Juventude da Arquidiocese de Vitória do Espírito Santo.

Msn: emersonpjbes@hotmail.com
Blog: http://omisterioeautopia.blogspot.com/


Ilustração de Maximino Cerezo Marredo (http://servicioskoinonia.org/cerezo/)

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