segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

"É UM ENSINAMENTO NOVO, COM AUTORIDADE."

ICJ/ES - INSTITUTO CAPIXABA DE JUVENTUDE DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

NOSSA ESPIRITUALIDADE BÍBLICO - LITÚRGICA


4o. DOMINGO DO TEMPO COMUM - 01.02.2009


"É UM ENSINAMENTO NOVO, COM AUTORIDADE."


“Vejam, procurei bem aqueles que ninguém procurava e falei de meu Pai. Pobres, a esperança que é deles, eu não quis ver escrava de um poder que retrai.” Frei Fabreti – CD Missas – Paulinas.

Para início de conversa

No Evangelho de hoje nós experimentamos a primeira ação de Jesus contra o desumano: sua prática eficaz e poderosa contra todo o mal que maltrata o ser humano e também contra a Lei da Pureza (em que a santidade de Deus é ameaça para todos os pecadores e pecadoras) que marginalizava ainda mais a vida das pessoas daquele tempo. É a primeira atividade pública de Jesus com característica libertadora e ilegal, pois acontece num sábado, dentro de uma sinagoga em Cafarnaum; ele rompe com qualquer esquema pré-estabelecido. A novidade de seu ensinamento é o favorecimento aos pobres, aos que estão caídos, marginalizados, espoliados e excluídos. A autoridade de Jesus é constatação da eficácia em favor da vida, em favor do povo. É uma autoridade atribuída somente a Jesus e negada aos escribas. A pratica de Jesus acentua a distância entre a sua mensagem e a mensagem dos escribas. Jesus utiliza a sinagoga deles para espalhar a boa nova do Reino e automaticamente dizer quem ele é. Com base em seus gestos, nós podemos descobrir quem Jesus é e o que quer de nós?
Nessa primeira atuação de Jesus se unem ensinamento e milagre. A vitória de Jesus sobre os poderes do mal que escravizam o ser humano. O povo, ao ouvir e ver, começa a admirá-lo. Ele ensina como fonte autorizada da doutrina, mesmo não sendo um escriba. Será que hoje em dia, nós nos admiramos pelas palavras e gestos de Jesus?
A palavra de Jesus é confirmada pela sua prática, que tira os seres humanos do jugo da morte. Como esta palavra se cumpre para nós hoje em nossas comunidades eclesiais de base?


Contextualizando a vida com o Evangelho do Dia do Senhor – Mc 1, 21 - 28.

É um ensinamento novo, com autoridade. E acontece num sábado, dentro de uma sinagoga, acompanhado por seus discípulos. No sábado se celebrava a vida e a comunhão com Deus e a sinagoga era o local onde se estudava e se aprendia como estar em comunhão com Deus. Mas não era isso que estava acontecendo e Jesus decidiu intervir em favor de todo o povo representado naquele homem possuído por um espírito mau.
Todos nós sabemos que no Segundo Testamento, Satanás e os demônios em geral possuem papel de destaque, de protagonistas. Na época de Jesus, Satanás deixa de ser nome comum para ser nome próprio. Se vivia num mundo em que se pensava que o demônio era a fonte de toda enfermidade e de todo pecado. O demônio entra no homem. É chamado de impuro e de mau, um temível tentador que não se detém sequer diante da figura de Jesus. Os milagres feitos por Jesus refletem a forma como o povo simples da Galiléia, abandonado por todos o acolheu. Mas Jesus não aceita uma fé que se apóie em milagres, mas no compromisso com os pobres e com a comunidade dos fieis. O que mancha o ser humano nunca é o que vem de fora, mas o que vem de dentro; portanto, o perigo para o ser humano não é ser possuído por Satanás, mas ser invadido pela dureza em seu coração.
Jesus encerra o prazo de domínio do mal sobre o ser humano. Não é possível existir, coexistir dois poderes contrários, um a favor e outro contra a pessoa: a proximidade do Reino é a novidade e ela vence.
Neste Evangelho o ensino e a prática de Jesus são a mesma coisa: ele liberta ao mesmo tempo que ensina. O ensinamento dos escribas não conduzia à libertação, aprisionava toda a caminhada do povo. Entrando na sinagoga naquele sábado, Jesus procura aquele que ninguém procurava, se volta para aquele que ninguém dava atenção. Colocando aquele possuído por um demônio no centro das atenções, mostra que a libertação que traz é prática e ensino.
Os espíritos maus sabiam quem era Jesus...e nós, sabemos?
O silêncio que é imposto aos espíritos maus privilegia a nossa caminhada enquanto membros de uma comunidade?
A tarefa de libertar e ensinar a libertação é tarefa dos discípulos e das discípulas que devem proclamar quem é Jesus, mas para isso é preciso se converter e acreditar na boa notícia do Reinado de Deus.
Jesus é aquele que vem para destruir o mal que aliena, que despersonaliza e denigre a dignidade humana.
A fama não irá atrapalhar a vida pública e profética de Jesus, ele a renunciará em favor da vida de todos os marginalizados, pois ser famoso é cair na tentação de não construção do Reino.
Nós temos esta coragem de dizer não a fama e ao sucesso para fazer valer a construção do Reino de Deus?
Minha saudosa avó materna, Lavigna, em muitas histórias que contava, dizia que muitos que não tinham nada se enriqueciam rapidamente, de uma hora para outra, e se espalhava a notícia na região que haviam feito um pacto com o Diabo e que na época certa ele vinha para buscar a alma daquele que havia assinado o acordo...e parava e olhava para o horizonte e dizia calmamente: “Quem tem um coração duro não consegue sair do escuro e faz acordo com quem não presta; mas Deus sempre está à beira do caminho, levantando quem está caído, passando remédio nas feridas e fazendo a gente seguir em frente, ajudando outros pela estrada...aí se salva...aí se salva.” Vovó tinha razão.

Emerson Sbardelotti

Autor de O MISTÉRIO E O SOPRO – roteiros para acampamentos juvenis e reuniões de grupos de jovens. Brasília: CPP, 2005.
Autor de UTOPIA POÉTICA. São Leopoldo: CEBI, 2007.
Membro do Grupo de Assessores da Pastoral da Juventude da Arquidiocese de Vitória do Espírito Santo.

Msn: emersonpjbes@hotmail.com
Blog: http://omisterioeautopia.blogspot.com/


Ilustração de Maximino Cerezo Marredo (http://servicioskoinonia.org/cerezo/)

domingo, 25 de janeiro de 2009

"CUMPRIU-SE O PRAZO E ESTÁ PRÓXIMO O REINADO DE DEUS"

ICJ/ES – INSTITUTO CAPIXABA DE JUVENTUDE / ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
NOSSA ESPIRITUALIDADE BÍBLICO-LITÚRGICA


3º. DOMINGO DO TEMPO COMUM – 25.01.2009


“CUMPRIU-SE O PRAZO E ESTÁ PRÓXIMO O REINADO DE DEUS”


“É missão de todos nós, Deus chama, eu quero ouvir a sua voz!” Zé Vicente – Cd Nas Horas de Deus Amém - Paulinas.

Para início de conversa

As primeiras palavras de Jesus, o seu programa, a sua pedagogia e sua prática libertadora aparece no Evangelho de Marcos a partir de uma vaga indicação de tempo: a prisão de João Batista; de espaço: ele se dirigiu do deserto, onde pode fazer o discernimento de sua missão, para a Galiléia onde segundo o texto bíblico proclamou a boa notícia de Deus.
Caminhamos na estrada de Jesus e a cada domingo deste Tempo Comum, o Evangelho de Marcos tem a preocupação de mostrar quem é Jesus. A cada passo que damos ao proclamarmos e refletirmos o Evangelho, a obra vai revelando quem é Jesus. É a oportunidade de fazermos uma revisão de vida para conhecermos e entendermos o que significa ser cristão hoje em dia, e qual a nossa missão enquanto membros da comunidade eclesial?
O que incendeia o início do trabalho pastoral de Jesus é o entusiasmo. Jesus deveria ser contagiante. Ele quase não pára. Está sempre andando, se movimentando. No Evangelho de hoje ele está na praia, nos próximos domingos ele estará na estrada, na montanha, no deserto, no barco, entrando e saindo de sinagogas, nas casas, nos povoados, em toda a Galiléia. E os discípulos e as discípulas com ele, por todo canto. É o que chamamos de entusiasmo do primeiro amor.
Jesus é um carpinteiro agricultor, mas o chamado é feito a beira do lago, e foi crescendo, até receberem dele a plena participação na missão.

Contextualizando a vida com o Evangelho do Dia do Senhor – Mc 1, 14 - 20.


Jesus foi para o deserto, inspirado pelo Espírito Santo para fazer um discernimento, quando retorna de lá se encaminha para a Galiléia onde dará início ao seu plantio da boa notícia. Ele mesmo confirma: “Cumpriu-se o prazo e está próximo o reinado de Deus: arrependei-vos e crede na boa notícia.”
Está próximo efetiva e afetivamente o reinado de Deus. Arrependimento e fé são alicerces da comunidade, do mutirão, que escreve o Evangelho de Marcos.
O momento central do Evangelho: o chamado dos discípulos.
O chamado é soberano, o seguimento é imediato e incondicional. Para a tradição da Igreja é modelo de toda vocação cristã e apostólica.
Eles são pescadores e estão trabalhando. Jesus passa e chama, eles largam tudo e o seguem: largam o ofício, os barcos, a família. Seguir Jesus supõe ruptura, mudança de paradigmas. A partir deste momento, um grupo é formado, uma comunidade itinerante é formada. E eles o acompanham por todos os lugares, vão na casa dele, convivem com ele, e vão inclusive até Nazaré a terra dele. A convivência se torna íntima e familiar. Ele apelida alguns deles.
João Batista foi preso por ter incomodado a Herodes Antipas, por ter mexido com os interesses e privilégios dos poderosos. Jesus também não se deixará intimidar pelos poderosos, pelo contrário, lutará contra todos os mecanismos que fazem brotar a morte para o povo. A Galiléia é o chão, o lugar social onde Jesus inicia sua atividade. Uma região onde todas as culturas se misturavam, por se tratar de passagem para outros territórios e por ser terra de livre comércio, por tanto marginalizada por grande parte dos judeus que viviam nos arredores de Jerusalém, pelos saduceus, fariseus e escribas. Era lugar de gente sem valor e impura aos olhos da classe dominante. É a partir desta gente excluída que Jesus anuncia sua prática, sua pedagogia, o seu programa de vida em três momentos: 1. O tempo já se cumpriu, portanto, a espera da libertação chegou ao fim. 2. O reinado de Deus está próximo, pois seus discípulos e discípulas praticam atos libertadores continuando assim o que o Mestre anunciou e fez. 3. A conversão e a fé na boa notícia, leva a comunidade se tornar realidade e firmar um compromisso com a vida.

Eis que surge no horizonte uma pergunta que incomoda a todos, todas nós hoje: como dizer sim à boa notícia de Jesus?
Em nossas comunidades aumentou ou diminuiu o número de cristãos que dizem sim?
A acolhida proporcionada em nossas comunidades correspondem ao chamado que o Mestre sempre nos faz?
É missão de todos, de todas nós fazer com que o chamado do Mestre chegue a todos os cantos de nossas paróquias hoje em dia, por todo o bairro, município, estado, país e continente. Chamado que respeite a personalidade e a individualidade de cada um, de cada uma.
Simão, André, Tiago e João lançavam as redes no mar, e o Mestre proporcionou a eles serem pescadores de seres humanos. Não falou para se tornarem carpinteiros ou agricultores como ele, mas aproveitou neles o que tinham de melhor em sua profissão. Pescar seres humanos é muito diferente de pescar peixes. É um novo caminho a ser percorrido, a ser experimentado; e foram com ele e se familiarizaram com ele e se tornaram sua família.
Qual caminho estamos experimentando hoje? Qual caminho a comunidade está experimentando hoje? Até aonde chegará o nosso seguimento?
Qual é a mudança que este chamado de Jesus proporciona em cada um, cada uma de nós?
A alguns anos eu estive na casa de D. Pedro Casaldáliga, bispo emérito da Prelazia de São Félix do Araguaia – MT, numa de nossas conversas e conspirações divinais, ao nos dirigirmos para a Capela, onde se guarda no sacrário, uma parte da estola ensanguentada do mártir Monsenhor Oscar Romero, D. Pedro comentou me abraçando e olhando para o sacrário: “O caminho se faz caminhando. Só se caminha tropeçando nas pedras que encontramos. Só se caminha, levantando e fazendo outros se levantarem”... guardei estas palavras no meu coração e quando voltei, até hoje, tento com todas as minhas forças, colocar em prática o chamado, a missão e o escutar/auscultar a voz de Deus.


Emerson Sbardelotti

Autor de O MISTÉRIO E O SOPRO – roteiros para acampamentos juvenis e reuniões de grupos de jovens. Brasília: CPP, 2005.
Autor de UTOPIA POÉTICA. São Leopoldo: CEBI, 2007.
Membro do Grupo de Assessores da Pastoral da Juventude da Arquidiocese de Vitória do Espírito Santo.

Msn: emersonpjbes@hotmail.com
Blog: http://omisterioeautopia.blogspot.com/


Ilustração de Maximino Cerezo Marredo (http://servicioskoinonia.org/cerezo/)


"O QUE ESTAIS PROCURANDO?"

ICJ/ES – INSTITUTO CAPIXABA DE JUVENTUDE / ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
NOSSA ESPIRITUALIDADE BÍBLICO-LITÚRGICA


2º. DOMINGO DO TEMPO COMUM – 18.01.2009


“O QUE ESTAIS PROCURANDO?”


Toma, Senhor, nossa vida em ação, para mudá-la em fruto e missão. Toma, Senhor, nossa vida em ação, para mudá-la em missão.” José Acácio Santana – Cd Tua Palavra Permanece/O Chamado – Paulinas.

Para início de conversa

Não se sabe quem escreveu este Evangelho. O que se sabe é que ele é atribuído ao discípulo que Jesus amava, e nada mais. Desde o século II E.C., a tradição, reconhece que é o apóstolo João o autor do quarto evangelho. Pesquisas atuais porém, põem em dúvida esta afirmativa. A tendência atual é considerar o Discípulo Amado não como uma pessoa individual, mas coletiva, portanto, feito o Evangelho em mutirão: a comunidade joanina; o pano de fundo é o testemunho de João; e este testemunho não foi repassado de uma só vez, nem por uma só pessoa. É o resultado de um longo processo de releituras da comunidade na realidade em que estavam vivendo naquele instante, nas experiências novas que estavam sentindo na pele, no coração e na alma. Trata-se de um roteiro preparado com imenso carinho, o que nos impulsiona hoje, a rever a nossa própria vida em comunidade, no chão da vida de hoje. É o Evangelho em que Jesus vive em profunda e orante intimidade com o Pai e intensa solidariedade com o povo. Quem encontra Jesus, muda radicalmente, nunca mais a sua vida será a mesma.
João, ao contrário dos Evangelhos Sinóticos (Mt, Mc e Lc), não possui um ano próprio para ele, mas é partilhado nos três anos ABC, principalmente nos tempos litúrgicos do Advento/Natal e Quaresma/Páscoa/Pentecostes. Se observar direitinho, o Evangelho de João é lido quase por inteiro na nossa liturgia.
A data de composição e de conclusão, provavelmente, na última década do século I E.C., por volta do ano 95 E.C., e Éfeso, parece ter sido o local. O Evangelho de João entra no mundo simbólico do Primeiro Testamento: luz, água, óleo, trigo, vinho, casamento, trabalho, pastor, caminho, pomba, palavra e personagens, tais como – Abraão, Jacó-Israel, Moisés, a mulher infiel de Oséias, Davi e a esposa do Cântico dos Cânticos. Esta simbologia continua valendo; mas hoje, adaptamos a eles aspectos éticos e políticos como justiça, solidariedade, esperança, respeito pelo diferente, fraternura.
No Evangelho há o nome usado por YHWH ao se apresentar a Moisés: Eu Sou. Este nome será o nome próprio na boca de Jesus.
Ele explora o sentido especial de certos termos: sinal, conhecer, hora, ser do alto, acolher.
No Evangelho de João há coisas profundas ditas em palavras simples.

Contextualizando a vida com o Evangelho do Dia do Senhor – Jo 1, 35 - 42.

João Batista reconhece em Jesus, o Filho de Deus e o aponta para os discípulos: “Aí está o cordeiro de Deus”.
É esta frase de João Batista que abrirá os olhos e os corações daquelas duas pessoas, daqueles dois pescadores, e eles irão segui-lo. Uma frase apenas bastou para que eles entendessem que ali estava a Salvação. Eles tomam a iniciativa, sem esperar que Jesus os chame. O testemunho de João Batista bastou e ele entende que não está perdendo os discípulos, mas está os ajudando no discernimento. Agora, eles entram no caminho onde suas vidas serão mudadas e eles passam a ser testemunhas para muitos outros.
Observe que a frase de João Batista é de fundo pastoril e não de pesca. São dois mundos que se encontram, dois modos diferentes de trabalhar e de viver, são experiências muito diferentes que se encontram.
E neste encontro com Jesus ele faz uma pergunta crucial para as nossas vidas e que aparece em momentos especiais do Evangelho: “O que estais procurando?”
Nos momentos decisivos de nossas vidas estamos sempre repetindo esta pergunta central: “O que estou procurando?” “O que estamos procurando?”
Responder a esta pergunta não é fácil. Leva tempo e revisão de vida. E Jesus faz esta pergunta exigindo que se examinem a sério, que tomem consciência do que pretendem, e o declarem sem medo, sem vacilação, sem dissimulação. Pois, se desejam ser seus discípulos e o chamam de Mestre, deverão aceitar todos os riscos da caminhada. É o tema deste Evangelho de hoje: a vocação que se inicia a partir do testemunho do profeta.
Não é assim que começamos na caminhada em nossas comunidades hoje? Somos levados por alguém, alguém sempre aponta o caminho pelo qual experimentou, daí, optamos se queremos ou não.
No Evangelho de João, Jesus chama os seus discípulos de forma pessoal e direta, a partir deste chamado, começam a fazer uma experiência nova e a passam a anunciá-la.
Os discípulos querem criar laços de fraternura com Jesus, por isso perguntam: “Rabi, onde moras?”. Eles querem permanecer com o Mestre.
Eles seguem o Mestre até a casa dele. Entram, e podemos imaginar: conhecem o lar, a mãe, a carpintaria, os vizinhos; fazem a opção acertada e esta opção irá gerar bons frutos. Depois, quem narra o Evangelho vai dizer o nome de um dos discípulos: André, que significa homem; ser humano. André deixa de ser discípulo de João Batista para ser discípulo de Jesus por causa do que havia dito a respeito dele. Após a acolhida e as conversas, André vai ao encontro de Simão e o leva a Jesus. Simão não esteve entre os discípulos de João Batista, é uma conquista de seu irmão quando lhe diz: “Encontramos o Messias!”, e ao ser conhecido e reconhecido por Jesus, lhe impõe um novo nome e uma nova função na vida. Simão terá que aprender a ser Cefas (do aramaico kepa’ – rocha). Este nome só é encontrado no Evangelho de João; em outras passagens só se encontra o equivalente grego petros – Pedro. É este nome em grego que irá substituir o nome em aramaico quando os Evangelhos forem escritos pelas comunidades perseguidas pelo Império Romano e pelas autoridades judaicas.
Conhecer Jesus é reconhecer nos sinais a sua personalidade. Ele é apontado como o Cordeiro de Deus; André e o outro discípulo já o chamam de Mestre; Simão tem o seu nome mudado e começa a entender que se trata do Messias e que o encontro com ele é o encontro da mudança de atitude e da revisão de vida. Ao mudar o nome de Simão para Cefas/Petros, indica para todos nós o itinerário que precisamos fazer para conhecermos nossa personalidade.

Para o povo da Bíblia, o nome é a identidade da pessoa, é o que a define.
Qual é o significado dos nomes que possuímos? Por que nossos pais e mães escolheram estes nomes para nós? Qual era o contexto do momento em que viemos ao mundo? Este nome nos leva para onde? Para quem?
Perguntas que se somam a definição que temos de personalidade, como ela é construída no dia a dia, qual o papel fundamental dos amigos, da família e da Igreja na construção da personalidade?
Na vida em comunidade somos sempre conduzidos por alguém com mais experiência. Somos carregados no colo no batismo; depois, de mãos dadas participamos da catequese e entramos sozinhos na fila para receber a Primeira Eucaristia; por causa de um convite, participamos dos grupos de pré-jovens e de jovens,e algo queima o nosso peito, todo o nosso corpo e vamos de volta para a catequese para fortalecer o nosso batismo com o sacramento do crisma. E a partir daí, ou durante esta caminhada, cresce em nós a escuta do chamado que Jesus nos faz, e dentro deste chamado as exigências que ele nos faz. O que nos torna vocacionados.
E a vocação a qual fala o Evangelho de hoje é o seguimento a partir de uma frase, simples e profunda. E de respostas que nos fazem entrar no aconchego do Reino, mas que nos colocam em posição de seguir em frente.
A vocação em favor do Reino da Vida é fazer da vida uma missão. O melhor risco que podemos correr é fazer valer a vida; e que todos a tenham em abundância, e que reconheçam os sinais que surgem sempre antes do chamado definitivo do Mestre, chamado que não tem volta, e a recompensa é o bem-estar de todos, de todas as pessoas que acreditam que este mundo pode ser um mundo novo e possível.



Emerson Sbardelotti

Autor de O MISTÉRIO E O SOPRO – roteiros para acampamentos juvenis e reuniões de grupos de jovens. Brasília: CPP, 2005.
Autor de UTOPIA POÉTICA. São Leopoldo: CEBI, 2007.
Membro do Grupo de Assessores da Pastoral da Juventude da Arquidiocese de Vitória do Espírito Santo.

Msn: emersonpjbes@hotmail.com
Blog: http://omisterioeautopia.blogspot.com/


Ilustração de Maximino Cerezo Marredo (http://servicioskoinonia.org/cerezo/)

"EU VOS BATIZO COM ÁGUA, ELE VOS BATIZARÁ COM ESPÍRITO SANTO"

ICJ/ES – INSTITUTO CAPIXABA DE JUVENTUDE / ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
NOSSA ESPIRITUALIDADE BÍBLICO-LITÚRGICA


BATISMO DO SENHOR – 11.01.2009


“EU VOS BATIZO COM ÁGUA, ELE VOS BATIZARÁ COM ESPÍRITO SANTO”


“É por causa do que fez João Batista, que arriscou, mas preparou a sua vinda. É por causa de milhões de testemunhas que apostaram suas vidas no amor”. Pe.Zezinho,scj – Cd Sol Nascente, Sol Poente – Paulinas.

Para início de conversa

Na tradição o Evangelho de Marcos é o mais antigo dos Evangelhos, a temática principal é a pessoa de Jesus, muito mais que seus milagres e ensinamentos. Declara desde o princípio que Jesus é o Filho de Deus e que o relato sobre sua vida é a boa notícia. Marcos era um nome corrente na época de Jesus e nos anos seguintes, a tradição o coloca como discípulo de Pedro, com o personagem que figura nos Atos dos Apóstolos, mas a identificação é incerta.
O Evangelho é destinado aos convertidos de língua grega, por isso a existência de explicações sobre os termos e costumes dos judeus. A comunidade de Marcos supõe escrever a obra para responder seus problemas específicos: pobreza, perseguições, vacilações na fé...todos esses problemas estarão refletidos na conduta dos discípulos e discípulas do Evangelho. Mesmo assim a obra é muito mais abrangente do que uma conjuntura momentânea. No Evangelho o discipulado é o xodó de Jesus. É a primeira coisa que Jesus faz ao sair do rio Jordão depois de ser batizado por seu primo João Batista: chamar discípulos.
A pretensão do Evangelho: acordar o pessoal das comunidades. Estava colocando um espelho na frente deles. Para que tomassem consciência dos seus defeitos, para que não desanimassem diante dos seus defeitos e diante das muitas dificuldades.
As comunidades já viviam espalhadas pelo Império Romano quando o Evangelho foi escrito em mutirão e finalizado na cidade de Roma mais ou menos em 70 E.C., e as reuniões eram feitas nas casas, pois a comunidade de Roma passava por um período de insegurança e incerteza. A partir do ano de 62 E.C., as tensões sócio-políticas na Palestina, desencadearam movimentos que resultaram na guerra entre judeus e romanos nos anos de 66 a 70 E.C.; Tiago que chefiava a Igreja em Jerusalém, foi apedrejado em 62 E.C., Pedro e Paulo foram executados em Roma, entre 65 – 67 E.C. , na perseguição promovida por César Nero. Com o suicídio de Nero em 68 E.C. estourou uma guerra entre os generais romanos levando ao poder Vespasiano que lutava contra os judeus. Em seu lugar assume seu filho Tito que arrasa e destrói o Templo de Jerusalém.
O Evangelho de Marcos quer ajudar as comunidades a entender melhor o sentido e o alcance da sua fé em Jesus, o Filho de Deus, um roteiro de viagem na estrada, orientando como percorrer o caminho dos primeiros discípulos desde a Galiléia até Jerusalém e finalmente responder a questão fundante: Quem é Jesus?

Contextualizando a vida com o Evangelho do Dia do Senhor – Mc 1, 7 – 11.

Com o Batismo do Senhor, se encerra o Tempo do Natal. Fazemos o memorial do dia em que Jesus foi batizado e proclamou aos quatro cantos a sua adesão ao Pai e à missão que lhe foi confiada. O Evangelho de hoje é o início da atividade de Jesus.
A boa notícia já havia sido anunciada pelos profetas do Primeiro Testamento e agora João Batista a prepara. João se assemelha a Elias, não somente por causa de suas roupas ou do deserto onde prega, mas por causa do batismo de arrependimento que se expressa na confissão pública dos pecados para obter o perdão de Deus e na imersão na água purificadora. Representa, portanto, o batismo, um rito que sela e reconcilia o ser humano com a divindade.
João Batista é apresentado como o Profeta que precede o Messias. A prática de Jesus brota da prática de João Batista: a vida e o perdão não são oferecidos no Templo de Jerusalém, mas no deserto; não pelas mãos dos sacerdotes mas pelas palavras e ações do Profeta; não mais através de rituais de sacrifícios de purificação dos doutores da lei mas sim de um batismo que leva a conversão eficaz. Esta conversão muda o coração que recebe o Espírito anunciado por João e que paira sobre a cabeça de Jesus. João Batista será retratado pelo próprio Jesus como o profeta Elias; profeta em conflito com o sistema, que vive como nômade pobre e renuncia privilégios humanos, que está a margem de Jerusalém, e é se tornando marginalizado que pode anunciar um projeto igualitário de sociedade rompendo com toda e qualquer negativa de salvação do povo.
O Evangelho de hoje mostra o jeito certo de servir para instaurar a justiça: o veio de esperança que ainda resta entre os pobres, entre o povo. É a aliança divina sendo refeita com seu povo. E então a luz retorna as nações, aos olhos dos cegos poderão gozar a liberdade e a vida. Jesus com a sua pedagogia e prática libertadora irá revelar ao mesmo tempo quem ele é e em que consiste o Reino de Deus. O Precursor não é o Messias esperado. João conhece e respeita seu lugar e função. Ele afirma que Aquele que vem depois irá batizar com o Espírito Santo. Só sentirá, enxergará este significado quem fizer a experiência a partir da prática de Jesus: adesão total ao projeto de Deus. O batismo ministrado por João era um sinal desta adesão e Jesus se deixa batizar para que solidário com a nossa condição de pecadores nos façamos como ele um forte. O caminho de Deus e o caminho da humanidade em Jesus são um e são o mesmo.
Receber de João o batismo, agora tem um outro sentido: seu submergir e subir, aponta para sua morte e ressurreição. Os céus se abrem e o Espírito desce até ele como profetizara Isaias. E se escuta uma voz celestial, a de Deus, num testemunho claro e definitivo: “Tu és o meu Filho querido, o meu predileto”.
A metáfora do Batismo se baseia enquanto inicio de uma nova vida. Simboliza não só a incorporação em Cristo, mas a união de todos os discípulos e discípulas como membros do corpo único de Jesus.

Em nossas comunidades, todos os anos, várias crianças, jovens e adultos se deixam batizar; uma festa maravilhosa, rica, liturgicamente. Mas, como está sendo o acompanhamento destes novos cristãos? Elas, eles, conseguem de fato ouvir a voz celestial: “Você é a minha Filha querida, a minha predileta”; “Você é o meu Filho querido, o meu predileto”? Será que somos capazes de escutar e auscultar a voz de Deus nos nossos irmãos e irmãs hoje? Não somente para assistencialismo mas para entrega real e total, um despojamento sem fronteiras?
Será que somos corajosos ao ponto de entrar junto com Jesus na fila dos pecadores, reconhecendo que somos responsáveis pela situação em que se encontra o nosso bairro, o município, o estado, o país, o continente e o mundo? Será que somos capazes de enxergar que o céu aberto é o fim da passividade para o fato da esperança para o povo?
A condição humana sempre será uma característica muito marcante, pois somente descendo ao inferno é que Jesus conhecerá e reconhecerá o seu povo. O inferno do sofrimento humano: indiferença, preconceito, intolerância, violência, abandono. A missão de Jesus será a de restaurar o povo.
Olhando as fotos de quando fui batizado, observei o sorriso de minha madrinha e de meu padrinho, o abraço carinhoso de minha mãe em meu pai, os olhares atentos do padre, e a cara de choro que fiz por causa da água que não molhava apenas, mas me inundava com a presença da Trindade Santa; observei como eram grandes as velas que meu pai e meu padrinho tiveram que segurar, com certeza, era para que eu nunca me desviasse da Luz. Deve ter sido muito boa a festa que fizeram no meu batismo, assim como deveriam ser as festas que as Primeiras Comunidades faziam quando uma pessoa se deixava batizar e aceitava ser discípula, discípulo.
A alguns anos atrás retornando da Semana de Liturgia em São Paulo, tive a experiência de assistir e testemunhar um batismo por imersão. Fiquei extremamente emocionado com toda aquela simbologia: o local próximo a porta principal da Igreja, as vestes brancas, cantos propícios e cantores entrosados com toda a Assembléia, que estava ao redor daquela jovem recebendo o batismo. Acredito que no coração dela, no meio das batidas, ela escutou, o que imaginei ter sido um bater de asas: “Você é minha filha querida, a minha predileta”!

Emerson Sbardelotti

Autor de O MISTÉRIO E O SOPRO – roteiros para acampamentos juvenis e reuniões de grupos de jovens. Brasília: CPP, 2005.
Autor de UTOPIA POÉTICA. São Leopoldo: CEBI, 2007.
Membro do Grupo de Assessores da Pastoral da Juventude da Arquidiocese de Vitória do Espírito Santo.

Msn: emersonpjbes@hotmail.com
Blog: http://omisterioeautopia.blogspot.com/


Ilustração de Maximino Cerezo Marredo (http://servicioskoinonia.org/cerezo/)

"ONDE ESTÁ O REI DOS JUDEUS RECÉM-NASCIDO?"

ICJ/ES – INSTITUTO CAPIXABA DE JUVENTUDE / ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

NOSSA ESPIRITUALIDADE BÍBLICO-LITÚRGICA
EPIFANIA DO SENHOR – 04.01.2009


“ONDE ESTÁ O REI DOS JUDEUS RECÉM-NASCIDO?”

“Nasceu um menino mais pobrezinho que o de Belém...Não vieram os reis magos, nem veio ninguém...A estrela, quem dera, guiasse o caminho daquele menino como o de Belém!” Reginaldo Veloso (Cd Vida, o Sonho de Deus – Paulus, 2000).

Para início de conversa

A Bíblia nasceu do chão da vida do Povo de Deus, povo este que experimentou Deus em sua história: vida de lutas, vitórias e derrotas. Essas experiências foram contadas, recontadas, cantadas e rezadas. O Evangelho de Mateus (Ano B) nasceu no cotidiano das comunidades espalhadas pelo norte da Galiléia e Síria (talvez, Antioquia) durante a década de 80-90 da Era Comum (E.C.). O autor deste Evangelho deve ter sido um judeu helenista, que cita o Primeiro Testamento (PT), os LXX, e ou fruto de um grande mutirão de autores e autoras; não é possível saber quem foi o redator final dessas experiências, mas o que se pode ser notado é que se trata o Evangelho de comunidades constituídas basicamente de judeus cristãos. Brotou da experiência que os primeiros cristãos fizeram de Jesus vivo, morto e ressuscitado, compreendido à luz do Primeiro Testamento, frente a seus conflitos, medos e esperanças. A base do Evangelho é a missão de Jesus: semear o Reino de Deus entre os seres humanos. As comunidades do norte da Galiléia e Síria eram constituídas de pessoas pobres e exploradas, com a presença marcante de judeus, pois há em todo o Evangelho a importância de mostrar a Lei e em citar o Primeiro Testamento; judeus com mentalidade helenista, isto é, judeus que não estavam presos à Lei e ao Templo, que havia sido destruído por Tito no ano 70 E.C..O Evangelho se preocupa com os estrangeiros e a sua missão dentro e fora da comunidade.

Contextualizando a vida com o Evangelho do Dia do Senhor – Mt 2,1-12

A Festa da Epifania é a retomada do Natal de Jesus celebrando a sua humanidade manifestada a todos os povos, e não apenas ao povo judeu. É o Verbo de Deus presente em todas as pessoas, pastorais, movimentos e grupos que lutam para vencer o racismo e todo tipo de discriminação. É a manifestação de Deus a todos os povos espalhados pelo planeta.
O episódio de hoje está centrado no tema da realeza. De um lado, Herodes, chamado o Grande (37 – 4 a.E.C.), rei da Judéia, um rei estrangeiro, idumeu, amigo nomeado e protegido pelo Senado romano, visto como ilegítimo por parte da população, está cercado dos chefes religiosos de Jerusalém. Herodes e a cidade inteira se agitam com o anúncio de um novo rei. Do outro lado está um recém-nascido, cujas raízes se fincam no poder popular, é o herdeiro do pastoreio de Davi (que começou sua campanha político-militar junto aos descontentes com o reinado de Saul), potencialmente o sucessor legítimo. A salvação não vem de Jerusalém, mas de Belém conforme os textos bíblicos: Mq 5,1 e 2Sm 5,2. Belém era uma aldeia a oito quilômetros ao sul de Jerusalém; dela sairá o pastor que apascentará e defenderá o povo (ovelhas) da ganância e da arrogância dos exploradores (lobos). Para Herodes, Jesus é um rival perigoso e deve ser eliminado.
Pode-se notar que já se desenrola todo o drama da vida de Jesus e de sua missão: os judeus o rejeitam e os pagãos o adoram.
Para indicar o nascimento do menino, o Evangelho fala de uma estrela. Os orientais costumavam dizer que uma estrela especial surgia quando nascia alguém muito importante, especial. Essa presença de Deus conosco – o Emanuel – é ameaça para uns e esperança para outros.
Os magos do oriente, ou astrólogos (astronomia e astrologia não estavam separadas), são conhecedores das tradições e das predições judaicas a respeito do Messias – mashiâh – ungido – acorrem a render homenagem ao presumido herdeiro, tratando-o com o título de “REI DOS JUDEUS”, o mesmo título dado por Pôncio Pilatos a Jesus na cruz. Os magos reconhecem o astro que seguem. Simbolizam as diversas nações, que buscam o Messias. Se dirigem a Jerusalém, centro político-econômico e religioso da Palestina, para pedirem informações, pois, querem homenageá-lo. Ao se colocarem frente à frente, com o testa de ferro de Roma, o império que oprime e marginaliza o povo; Herodes e toda sua corte entram em pânico com a inesperada homenagem ao rei recém-nascido. Os saduceus, fariseus e escribas são convocados para que verifiquem as Escrituras Sagradas e o pavor do rei ilegítimo aumenta. O nascimento deste menino é uma ameaça ao poder instituído e opressor. As comunidades do Evangelho vivem a experiência concreta da perseguição e da exclusão.
Render homenagem para os astrólogos orientais tem o sentido de reconhecer no outro sua dignidade superior; ao contrário de Herodes, em que a expressão é apenas uma ironia perversa, a fim de despistar os visitantes. Eles partem do palácio da morte e chegam à casa e encontram o menino e sua mãe. São guiados por uma estrela, que salienta as intuições mais puras e os anseios mais profundos de qualquer ser humano: paz, justiça, igualdade e fraternidade. Entram na casa (de José), não numa gruta usada como dormitório, não há no texto menção a presença de José. É comum na tradição bíblica, que a mãe do rei ou do herdeiro tenha um papel preponderante. Essa imagem, da mãe com o menino será favorita entre a iconografia cristã. Eles entendem que a salvação vem por meio do pequeno da periferia de Jerusalém. São os primeiros a perceberem isso. O único desejo: adorar este novo poder que nasce do pobre. A alegria que sentem é testemunha de uma longa tradição no Primeiro Testamento.
Os dons ofertados: ouro, incenso e mirra; o que havia de melhor em seus países de origem. Esses dons simbolizam a realeza (ouro), a divindade (incenso) e a paixão (mirra). Estes magos, são símbolos daqueles que aceitam o poder de Deus manifestado em um recém-nascido – Ieshua. O nome Jesus, como se sabe, é simplesmente uma forma latina do nome grego Iesous. Este por sua vez não é originariamente um nome grego, mas a forma grega de um nome hebraico Yehoshua (o Yoshua bíblico) que significa o nome impronunciável de Deus – YHWH. Daí a tradição dar o significado de “YHWH é Salvação ou Deus Salva”. O nome Ieshua é formado de duas partes. A primeira Ye, é a forma abreviada do nome próprio impronunciável hebraico de Deus – YHWH. A segunda, shua, é palavra hebraica que significa amplidão, abertura, salvação; significa então o contrário de estar num aperto, estar em dificuldade; significa estar livre num amplo espaço aberto. O nome Ieshua significa portanto, YHWH é salvação-saúde, a afirmação de que YHWH é a fonte de toda inteireza para os seres humanos, para todas as coisas. Os magos reconhecem tudo isto e se doam ao serviço do Salvador, prostram-se, em seguida põem à disposição do Salvador o melhor do que possuem.
Os presentes trazidos pelos magos expressam seu reconhecimento. Estão na frente do Messias prometido às nações, o pegaram no colo, sorriram, se emocionaram, fizeram orações, cantaram. Sabem que este rei menino será justo e misericordioso, que morrerá por sua prática em favor da vida e será ressuscitado por Deus, e será reconhecido como Filho de Deus.
Não voltam a se encontrar com Herodes, pois, sabem, sentem em seus corações, que o idumeu, em sua ambição e sede de poder procura ardilosamente exterminar a esperança do povo, do mesmo jeito que Saul pretendera fazer com Davi no Primeiro Testamento.
O caminho da salvação no Segundo Testamento (ST), não passa por Jerusalém e não tem nada a ver com Herodes ou com sua corte ou ainda com os dominadores da capital. Os magos voltam por outro caminho, aquele caminho que o discernimento lhes indicou. O sonho que tiveram é a inspiração de que todo poder que oprime impede o nascimento de tudo o que é bom para a vida em comunidade e em sociedade. Ao se desviarem de Herodes, os astrólogos orientais abriram uma nova janela e deixaram uma lição para todos nós: Sonhar um outro mundo novo é possível e é melhor.

A Festa da Epifania do Senhor é a revelação da bondade do Deus que deseja salvar a todos e por isso se faz ser humano. Faço memória de uma frase linda do querido Leonardo Boff, numa assessoria para a Pastoral da Juventude no final da década de 1980, ele dizia: “Deus era tão humano, se fez tão humano, e por ser humano, só poderia ser Deus mesmo...”. Passado tantos anos, começo a entender que o Ieshua de Nazaré, de Belém de Judá, da Nossa América, de Belém do Pará (onde ocorrerá a próxima edição do Fórum Social Mundial), deste Brasil, ainda católico, ainda sofrido, ainda marginalizado, ainda castigado pelo desinteresse político e pelos desmandos contra a vida, só é salvação se a comunidade se posicionar e se decidir a favor a esta salvação que é oferecida gratuitamente, que é oferecida sem pedir nada em troca. O Herodes de hoje em dia, ainda persegue e mata, ainda alimenta a sociedade com corrupção e violência, não consegue saciar sua sede e fome de poder e para se manter em seu trono, o Grande, usa toda a politicagem que está à sua disposição, sem se importar com a dignidade humana, chegando ao ponto de exterminar toda e qualquer forma de vida.
A Festa da Epifania é a chance que nós cristãos temos, para discernir o projeto de vida que pensamos para este novo ano que se inicia. É a chance que temos para abraçar a salvação que bate à porta. É a chance que temos para sermos seres humanos novos e possíveis...sonhadores e felizes.

Emerson Sbardelotti

Autor de O MISTÉRIO E O SOPRO – roteiros para acampamentos juvenis e reuniões de grupos de jovens. Brasília: CPP, 2005.
Autor de UTOPIA POÉTICA. São Leopoldo: CEBI, 2007.
Membro do Grupo de Assessores da Pastoral da Juventude da Arquidiocese de Vitória do Espírito Santo.

Msn: emersonpjbes@hotmail.com
Blog: http://omisterioeautopia.blogspot.com/


Ilustração de Maximino Cerezo Marredo (http://servicioskoinonia.org/cerezo/)